Na estréia de sua coluna sobre o universo dos games aqui no NA-NU, Yuri Beira (re)visita o reino de horror cósmico Lovecraftiano do RPG Darkest Dungeon
“A ruína chegou para sua família”
Assim começa a sua dolorosa estadia em Darkest Dungeon. Um convite de um ancestral, implorando pra você recuperar a glória de sua antiga linhagem, o que só é possível expurgando o horror cósmico que se instalou nos corredores e arredores da antiga mansão. Lovecraftiana ao seu máximo, Darkest Dungeon é uma ode à obra do pai do Cthulhu, e tem uma das mais fiéis relações com ela — digo que está pra nascer um jogo com frases de tamanho impacto e proximidade com a obra de Lovecraft, com seus adjetivos mirabolantes, retirados dos confins da galáxia; cada linha proferida por Wayne June (o narrador) é um prazer por si só.
Em relação estritamente ao jogo, Darkest Dungeon é uma mistura de management, turn-based RPG e leves tons de roguelike, com morte permanente, fatores de sorte, etc. No quesito management, você é responsável pela manutenção e evolução do acampamento aos pés da Darkest Dungeon, onde se reúnem os heróis que você controlará na parte efetiva do jogo, onde surge o lado RPG de turno.
Fora do sossego do acampamento, você é jogado em uma das quatro regiões que cercam a mansão dos seus ancestrais, cada uma delas com suas peculiaridades, o que exige estratégias diferentes. A eterna insegurança que você vive quando dentro das zonas do jogo é simplesmente impecável; cada expedição é repleta de riscos, e será assim até o fim do jogo. Não demora muito pra você perceber o quão importante é a boa administração do acampamento, pois é lá que você se preparará pra cada um dos seus desafios; em Darkest Dungeon, nada é 100% seguro — há como reduzir suas perdas, mas elas são inevitáveis, e é exatamente isso que o jogo te alerta logo no início, com uma mensagem que diz: “Darkest Dungeon é sobre conseguir o melhor nas piores situações. Missões falharão ou terão de ser abandonadas. Heróis morrerão e, quando eles morrem, eles continuam mortos…” Então esteja atento, Darkest Dungeon não perdoa.
Outro ponto impossível de ser ignorado é a arte do jogo. É simplesmente assombroso como as figuras dos heróis e inimigos, ainda que semi-estáticas, possuem tanto impacto e emoção —não há sentimento como acertar um crítico com o Finale do Jester, ou um Chop bem dado do Leper. É realmente lindo como o jogo faz tanto com o que tem, simplesmente impecável. O ponto negativo mais levantado pelo público é justamente o maior atrativo da obra, o fator “cósmico”, a ideia de que você não é nada perante as forças do infinito, e que seu bonequinho pode morrer como a mais inútil das criaturas; assim sendo, até no que é ruim, Darkest Dungeon é bom.
Essa ideia do cósmico, inclusive, é muito mais visível com uma das características mais marcantes do jogo, o Stress. Sempre que andam, passam por maus bocados, sofrem ataques, e várias outras ações, os heróis ficam estressados, pois todo esse ambiente sufocante começa a afligi-los pouco a pouco, eventualmente levando-os ao desespero ou, se você estiver abençoado pela Senhora Sorte, à inspiração, tamanha a pressão que sofreram. Elemento essencial do jogo, isso leva tanto a situações catastróficas quanto a heroicas; a mente sana é o caminho para a vitória.
Se prepare para algumas boas horas de exploração em corredores infestados de suínos, pátios cheios de esqueletos, ódio de seus próprios heróis, que com certeza tomarão algumas ações por conta própria e acabarão com sua expedição (eles são assim mesmo; gente como a gente, cheio de defeitos); para trabalhar sua calma interior a cada ataque que você erra (e para cada crítico que o inimigo dá); e, não menos pior, se satisfazer a cada “Destroyed!” “Back to the pit!” e “As the fiend falls, a faint hope blossoms.” que o narrador falar. Darkest Dungeon te mostrará como o stress afeta sua performance, como a vida é fútil e como 95% de chance claramente não é 100% (XCOM teve filhos!).
Se você gosta de Lovecraft, de sofrer com o coração das cartas, de ser vítima das intenções perversas dos Antigos, se você… Não, não… Darkest Dungeon deve ser jogado de toda forma, não importa seus gostos; sofrer é parte do viver humano, então não jogá-lo seria negar sua própria existência, mero terráqueo. Abrace o poder infindo daqueles que apenas espreitam, ignorando a sua existência fútil, e sofra dos piores pesadelos por ter invadido o universo proibido, que não foi feito pra sua cabecinha fraca!
Darkest Dungeon, meus cósmicos!
Extra, extra!
Wayne June, o narrador de Darkest Dungeon, já fez várias leituras de contos de Lovecraft, e é uma das coisas mais maravilhosas que já passaram pelo universo virtual. Azathoth abençoe este homem! Pra quem tem interesse, cá está um ótimo exemplo: um dos meus contos favoritos do autor (Em Inglês).
Alguém que sabe pouco sobre muita coisa, Yuri Beira é um pseudo-qualquer-coisa-aqui que se contenta em arranhar a superfície de tudo o que se interessa por. Resultado de suas boas horas meio aos mundos virtuais de inúmeros jogos, Revisitando é uma coluna focada mais numa análise subjetiva – levando em consideração os sentimentos perante tal jogatina –, fugindo da clássica revisão técnica. Mobilis in Mobili! Continue acompanhando o Revisitando aqui no NA-NU.
Já tentei jogar, mas achei difícil hehehe
boa dica!!!