Ecologia e autoritarismo na crônica de 1987, ainda atual, de Kusum Toledo

Leia a crônica Consciência Ecológica e Autoritarismo no Cotidiano, texto escrito em 1987 por nossa colaboradora Kusum Verônica Toledo, tão relevante hoje.

Kusum Verônica Toledo escreveu Consciência Ecológica e Autoritarismo no Cotidiano em 1987, mas poderia ter sido escrita ontem. O texto, um desabafo sobre consciência ecológica e cidadania. Leia a crônica abaixo, na íntegra.

Pintura por Guilherme ‘Ganço’ Silveira Dias

Consciência Ecológica e Autoritarismo no Cotidiano

Dia desses me perguntava por que seríamos assim, todos, adultos e crianças, tão intolerantes, mandões, autoritários. Comportamento aprendido, evidente. Quem sabe já até no dna, cultura & genética amalgamadas.

Studio na Colab55

Que história é essa assim tão forte, de onde esse exemplo, essa fonte? Que cotidiano é esse, com toda essa força? O que estamos a repetir? Por obra e graça de quem (s), e de quê (s) nos construímos sem respeito pelos espaços de cada um, sem consciência mínima do coletivo; sem consciência mínima de si e do outro? Por que essa necessidade de poder sobre o ser e o espaço do outro?

Um outro dia me perguntava: por que, amando tanto as pessoas, estou cada vez mais com as árvores? Por que tão difícil o exercício da convivência? Por que assim complicado, quase inviabilizadas, as interações humanas?

Na relação com as árvores, eu as busco e as encontro. Dou-lhes meu encantamento, elas me dão seus cheiros. Vejo suas belezas, elas me retornam frutos doces. Respiro oxigênio (que elas produzem), e elas o gás carbônico (que eu produzo). Precisamos uma da outra e eu não quero vir a ser um vegetal, tanto quanto elas não desejam vir a ser um ser humano. Eu não as desejo transformadas em mim, e elas não me querem só se sua igual.

Tempos atrás, em pesquisa de campo, conheci o miu-miu. O miu-miu é um capim venenoso que se ingerido pelo gado o petrifica e mata.Brota sozinho esse miu-miu, em terras maltratadas, exploradas à exaustão.Terras exauridas pelo uso pelo uso predatório, secam. E em torno delas, seca a vida.

O corpo humano, maltratado, adoece. A Natureza, maltratada, adoece.

A doença, assim como a dor, avisa que há algo errado, indica que alguma coisa carece ser diferente.

Numa região de seca, igualmente serão secas as plantas, os bichos, as pessoas … Por outro lado, na terra bem tratada brota até alfafa, sozinha. E nas pessoas bem nutridas – em todas as suas dimensões – o bom humor é uma característica espontânea, natural.

Na terra correm os rios, nas plantas a seiva, nos animais o sangue. Esvaziados da energia vital nossos corpos retornam a sais minerais, terra, sejamos plantas, bichos ou gente.

Somos, cada um e todos, parte de um único e grande organismo. Microcosmos. Há uma aprendizagem de respeito mútuo, de harmonia, de sinalização e indicação de caminhos se captamos a vida em seus movimentos. Em nós e em torno de nós: a observação do próprio ritmo, o exercício da paciência, a descoberta do limite, sua exploração. A identificação do próprio bem e mal estares. A experiência de ser totalmente mixirica, profundamente jacaré. Ser profundamente.

A experiência do diferente.

A propósito, você gosta da rosa porque ela é igual à margarida?

Brincando com uma caixa de fósforos, a criança a transforma ilimitadamente: uma hora ela é trem, outra avião, de repente um tigre feroz ou um comando em ação. Sob sua ordem, ao comando de sua vontade, ao impulso da sua imaginação. Ela manda, ela controla, ela domina. Com as letras e com as palavras fazemos o mesmo. Operando joysticks & controles remotos, igualmente alteramos uma realidade quase que exclusivamente ao comando da própria vontade. Experiências importantes, sem dúvida. Das melhores para acessar nossa capacidade criadora, com o infinito e indomável espaço da nossa realidade  imaginária, nossa força e poder.

Só que o que aí se estabelece são relações de dominação. E só isso, ou o predomínio massivo disso, exacerba e alucina. Insaniza. As referências se estreitam, a percepção do eu e do outro é deformada, o ser em relação não se constrói. É até impedido, uma vez que a reciprocidade não acontece.

Agora, independente da minha vontade nossa gatinha mia, o mato cresce no jardim, em julho/agosto florescem os ipês na Praça Tiradentes, meu filho faz xixi na cama, e o calor das mãos do meu amigo me enche de ternura e desejo.

Como tudo que é vivo, natural, temos um ritmo, uma necessidade, e uma tarefa.
Para sermos plenamente carecemos escuta. Carecemos olhar. Carecemos toque. Gente bicho planta, carecemos cuidado carecemos troca carecemos liberdade.
Com a vida, o autoritarismo é incompatível.
Kusum Verônica Toledo
Quer saber mais sobre Literatura? Clique aqui.

Quer ler poesia? Clique aqui.

One Reply to “Ecologia e autoritarismo na crônica de 1987, ainda atual, de Kusum Toledo”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *