O que a primeira imagem conhecida de Curitiba, creditada a Jean Baptiste Debret, nos diz sobre a participação de negros escravizados na construção da cidade?
A imagem abaixo é o registro visual mais antigo conhecido da cidade de Curitiba. Creditada a Jean Baptiste Debret a imagem mostra a cidade vista do Alto São Francisco, próximo do que viria a ser a Praça Garibaldi. Local que na época oferecia uma vista privilegiada da cidade, com a Serra do Mar ao fundo. Em primeiro plano, vemos a construção da Igreja de São Francisco de Paula, que nunca chegou a ser concluída e estaria hoje onde restam as Ruínas de São Francisco. A única pessoa presente na imagem é o operário, negro escravizado, que trabalha na construção.
A obra teria sido produzida durante a Missão Artística Francesa ao Brasil, que durou de 1816 a 1831 e tinha como objetivo registrar a vida e os costumes do povo brasileiro, assim como a de fundar a primeira Academia de Belas Artes em terras brasileiras. Debret também tinha como objetivo pesquisar e produzir imagens para a obra que publicou mais tarde, o livro Voyage Pittoresque et Historique au Brésil (Viagem pitoresca e histórica ao Brasil). O livro é dividido em 3 tomos: no primeiro, de 1834, estão representados índios, aspectos da mata brasileira e da vegetação nativa em geral. O segundo tomo, de 1835, concentra-se na representação dos escravos negros, no trabalho urbano, nos trabalhadores e nas práticas agrícolas da época. Já o terceiro, de 1839, trata de cenas do cotidiano, das manifestações culturais, como as festas e as tradições populares. Acredita-se que o retrato de Curitiba tenha sido produzido com a intenção de ser usado na obra, apesar de não constar na edição final.
“Quando pensamos na construção historiográfica a respeito do Paraná é inevitável nos deparar com a questão da omissão do papel do negro em nossa História. Entendemos que esta recusa historiográfica em trabalhar com o papel da escravidão no Paraná abre espaço para trabalhar a construção identitária do Sul do Brasil com os estrangeiros, identidade esta desenvolvida a partir de um discurso de branqueamento, o qual exalta o papel dos imigrantes europeus em detrimento dos negros. A partir dos estudos desenvolvidos por Joseli Mendonça, pode-se refletir a respeito da grande importância dos escravos negros na construção de Curitiba, como observado na obra de Jean Baptiste Debret, no início do século XX.” – História do Brasil para Estrangeiros: Propostas de Atividades de Ensino – Obra publicada pela Universidade Federal do Paraná.
Em sua obra, Debret também registrou a vida e os costumes dos escravizados trazidos ao Brasil, as severas punições e humilhações que sofriam, além de técnicas e soluções engenhosas aplicadas ao trabalho na construção civil nas cidades e nas lavouras. Criando um rico e revelador retrato da construção do Brasil pelas mãos dos negros escravizados, trazidos da África pelos portugueses.
Segundo historiadores, a obra em questão, a imagem mais antiga conhecida e possivelmente o primeiro retrato realizado da cidade de Curitiba, foi produzida durante a viagem que acompanhou a a comitiva do Imperador Dom Pedro I ao sul do Brasil, onde percorreu estados como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O artista teria produzido imagens da costa sul brasileira, paisagens da mata nativa, o cotidiano dos Indígenas, Afro-Brasileiros e Imigrantes, destacando as festas e as tradições populares. Porém, segundo José La Pastina Filho, professor do departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná e superintendente regional do Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A obra seria uma composição conjunta de Debret com um de seus alunos. Segundo La Pastina, os alunos de Debret percorreram cidades no Sul do Brasil registrando suas paisagens. Depois esses registros recebiam uma espécie de acabamento do professor. As intervenções, no entanto, não prejudicam o valor documental da obra. ‘‘É um documento gráfico e histórico da época, muito mais rico que uma descrição. Uma coisa é você descrever a cidade, outra coisa é poder ver, ter uma imagem. Esses registros muitas vezes até destroem ou confirmam determinados mitos’’ afirma o professor para a Folha de Londrina, em matéria de julho de 2007.
Se quiser saber mais sobre a Missão Francesa, o excelente canal Buenas Ideias fez um vídeo sobre o tema, que você pode assistir abaixo:
Quer mais arte, cultura e entretenimento? Continue NA-NUZEANDO
Lembrando que na Loja do NA-NU você encontra livros, LPs, CDs, DVDs, quadrinhos, novos e usados, além de produtos exclusivos.