Marighella voltou a ganhar destaque com o lançamento da cinebiografia, dirigida por Wagner Moura, mas antes da guerrilha e da polêmica, havia o poeta.
O nome de Carlos Marighella voltou a estampar notícias e polêmicas com o lançamento do filme Marighella, estréia de Wagner Moura na direção, e estrelado por Seu Jorge, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso e Rafael Lozano. O lançamento do filme, ainda inédito no Brasil, causou polêmica e levantou novamente a discussão sobre o personagem e um dos períodos mais obscuros da história brasileira: os anos de terror e repressão da ditadura militar. Sobre o filme, a polêmica e a vida de Marighella, o excelente canal do Youtube, Meteoro Brasil fez um um vídeo, mais uma vez, extremamente explicativo, esclarecedor, muito bem pesquisado e explicado.
Como o próprio vídeo do Meteoro explica, antes da guerrilha, antes da tortura e do assassinato, existiu o poeta. O NA-NU, que defende a arte como fonte de poder, de expressão e como uma grande arma contra a repressão, traz abaixo uma seleção de poemas de Carlos Marighella:
Canto da Terra
A terra tem tudo
e plantando é que dá.
E plantaram e plantaram
ou já estava plantado.
A floresta amazônica,
o rio e os peixes
e o balacubau.
A caatinga existia
com a braúna,
o mandacaru
e o gravatá cariango.
As coxilhas do Sul,
o maciço do Atlântico,
a Serra do Mar,
os pinheiros erguidos,
o rio Amazonas,
o rio São Francisco,
o rio Paraná…
Canaviais assobiando,
cortina verde estendida
sobre imensa extensão.
E plantaram café
e cacau e borracha…
E plantaram erva-mate…
Com o escravo e o imigrante
tudo se fez.
Comidas meu santo,
a mulata, a morena…
e até a loura surgiu.
A índia já havia,
a gringa veio depois.
Quem atrapalhou
foi gente de fora
que não trabalhou.
Eu canto a terra…
Todos sabem que outra
mais garrida não há…
“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores”…
Bom! Lírios já houve,
mas agora é que não.
Eu canto a terra,
eu canto o povo…
Cantam os poetas
e cantando vão…
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome
O País de Uma Nota Só
Não pretendo nada,
nem flores, louvores, triunfos.
nada de nada.
Somente um protesto,
uma brecha no muro,
e fazer ecoar,
com voz surda que seja,
e sem outro valor,
o que se esconde no peito,
no fundo da alma
de milhões de sufocados.
Algo por onde possa filtrar o pensamento,
a ideia que puseram no cárcere.
A passagem subiu,
o leite acabou,
a criança morreu,
a carne sumiu,
o IPM prendeu,
o DOPS torturou,
o deputado cedeu,
a linha dura vetou,
a censura proibiu,
o governo entregou,
o desemprego cresceu,
a carestia aumentou,
o Nordeste encolheu,
o país resvalou.
Tudo dó,
tudo dó,
tudo dó…
E em todo o país
repercute o tom
de uma nota só…
de uma nota só…
O Urubu
Pairando pelo espaço onde quer que pressinta
carniça, podridão, matéria decomposta
essa ave original de cor preta retinta
o cheiro da imundice alegremente arrosta.
Vem descendo depois. Já não é uma pinta
escura na amplidão do firmamento exposta.
Vem descendo inda mais, cada vez mais distinta,
até que no terreno o corpo feio encosta.
Desde então principia a ceia horripilante
e belisca a esterqueira e grunhe a cada instante,
sacudindo-se toda, inquieta e assustadiça
Assim como o urubu há no alto muita gente
poderosa a fartar que, entanto, moralmente
só consegue viver à custa de carniça
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