E Cuidado com o Sal – Estamos comendo Merda, ficção ácida e escatológica de Fernando Rish nos mostra que é possível aprender com a ofensa.
“Esse livro é ofensivo, ninguém mandou você comprá-lo e lê-lo”. Assim se auto-anuncia E Cuidado com o Sal – Estamos comendo Merda. E em um tempo ondem muitos reclamam do fim ‘privilégio de ser ofensivo’, Fernando nos mostra que ainda temos a aprender com a ofensa, com nossa própria frieza, ignorância, preguiça e egoísmo. Em um discurso livre, fluido e ácido que lembram bastante a literatura beat.
“Estamos todos comendo merda. Esse é o slogan que um amigo inventou para caracterizar nosso cotidiano. Ele tem razão, pois é mais sábio que qualquer outra pessoa. Ele tem apenas três dedos em uma mão, o que o faz mais esperto que todo mundo. Por viver sob essa condição, somos obrigados a confiar no seu tino, sua visão de mundo é muito mais precisa. A visão holística do homem de três dedos. Ele nasceu assim, mas mente que perdeu os outros dois em uma briga. Ele é músico também. Poderia fazer parte de um número de musicistas circenses, junto com um palhaço de duas cabeças e um anão sem perna. Veja bem o nível do meu preconceito. Somos todos lixos mesmo. Isso, estou incluindo você no meu grupinho de merdas humanas que andam por aí. Somos todos um imenso saco de cocô esbarrando em outros sacos de cocô, enquanto fazemos coisas irrelevantes, mas que nos fazem perder o sono. Somos lixos preconceituosos até o último fio de cabelo. Sorte que muitos têm a decência de suprir seus preconceitos.
Não adianta fechar o cenho e fazer cara de mau, você é um lixo preconceituoso, sim. Olhe-se no espelho e veja o que ele diz. Ninguém é tão mitomaníaco ao ponto de mentir uma verdade tão gritante. Precisamos de tratamento intensivo, se não o cansaço vai seguir nos transformando em fascistas de festas e moda. Fascistas de motocicleta. Precisamos de alguém com energia suficiente para ficar todos os dias do ano, em todas as horas possíveis, apontando o dedo na nossa cara e dizendo o quão terríveis seres humanos nós somos, para que eu possa ter a vergonha de mudar. Mas não mudamos. Somos em essência esse lixo imutável e reprimido. Quem sabe as próximas gerações venham corrigidas e sem necessidade de censores. Que mundo lindo seria.
O Lucas tem três dedos e é muito estranho. A gente faz brincadeira com ele, de que ele enfiou os dois dedos no cu e o esfíncter guilhotinou-os. Hilário, mas improvável. O mais provável é que sejamos seres-humanos terríveis, existindo e coexistindo, tentando nos aturar nesse dia a dia sulfúrico de comer merda. Estamos todos nessa”
Fernando Risch tem três livros publicados: O homem e seus demônios (2015), Hotel California (2016) e E cuidado com o sal (2017). Sua atividade na escrita começou ainda na faculdade de jornalismo, onde mantinha um blog de crônicas, hoje extinto.
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