Zumbis no Fundo do Poço é uma fanzine criada e desenvolvida pela escritora e cineasta curitibana Camila Sant’Anna. Vem conferir mais aqui no NA-NU!
A escritora e cineasta Camila Sant’Anna desenvolve crônicas, contos, roteiros, entre outros materiais literários e artísticos. O NA-NU já fez posts sobre ela e alguns de seus trabalhos e você pode conferir clicando aqui. E agora você confere com exclusividade aqui no blog o mais novo trabalho da artista, a fanzine Zumbis no Fundo do Poço.
Zumbis no fundo do poço.
Dia 601.
O líquido esverdeado apareceu faz pouco tempo. Grandes cogumelos cresceram ao redor do poço. Eles estão no fundo do poço. Matei vários deles, alguns pelo coração. Com tiros de espingarda, tiros de revólver, facadas e machadadas na cabeça. Eles foram os únicos que não conseguiram se livrar do vírus. Nós nos curamos do vírus com ervas que nossos irmãos cultivam em nosso sagrado jardim. Eles são como ratos de laboratório. São vazios, agressivos, são controlados por um verme branco que vive agora em seus neurônios. Um verme que estava no corpo de uma vaca doente que o destino fez virar hamburguer para ser vendido em mercados e contaminar a nação. Eles se tornaram canibais. Foram muitos dias de luta contra os monstros. Na primeira onda de ataques, nossas companheiras de frente de batalha foram brutalmente assassinadas com mordidas de arrancar o pescoço. Depois da tragédia, construímos um novo lar, alguns homens quiseram se aliar à nossa resistência, agora temos uma vila autossustentável, plantamos a nossa comida, já que todos os animais foram massacrados antes do apocalipse. Todas as mulheres sabem usar armas. Zumbis nunca saem vivos daqui.
Dia 626.
Desde que o apocalipse começou, nós estamos aqui. Resistimos à um estado de sentimentos robóticos. A obediência servil foi um status quo durante milanos. Resistimos à um sistema de lavagem cerebral que nos dopava e domesticava. Faz anos que acabamos com o grande líder branco. Não precisamos ser vigiadas vinte e quatro horas. Onipresente. A onipresença é uma ilusão. Um dia o poço vai encher e você vai ter que encarar a realidade como ela é. Vai ter que ofuscar seus olhos contra a luz e limpar-se da lama impregnada do inferno em que você vivia sem ter consciência de si própria como indíviduo na sociedade. Vai ter que lutar contra a manipulação todos os dias. Vai ter que lutar para conseguir alcançar a felicidade todos os dias. E são muitos zumbis pelo caminho. A resistência é forte e caminha para a utopia queimando um.
Dia 666.
É madrugada, alguns de nossos aliados homens fazem a guarda ao arredores da vila. Eu acendo um cigarro com um fósforo, viajo olhando para as estrelas e a lua cheia dourada que ilumina nossa comunidade. Meu silêncio é quebrado quando um zumbi faminto invade nosso terreno correndo em minha direção. Eu o acerto com uma pá, com tanta força que seu crânio racha. O som dos ossos partindo vão me acompanhar essa madrugada inteira. O sangue hemorrágico explodiu em meu rosto. Se eu não reagisse, teria sido meu fim. Vi minhas memórias projetadas como um filme antigo rodando dentro da minha mente. Peguei o cigarro que caiu no chão e o acendi com meu último fósforo. Jogamos os presuntos podres para se acumularem no fundo do poço. O poço ecoou as gotas de sangue que pingavam do meu rosto. A verdade é que um dia aquele buraco iria encher e todos os nossos fantasmas iriam nos encontrar de novo. Mas a pintura de guerra em meu rosto avisa de onde eu venho e meus olhos queimam por revolução. Eles nos querem obedientes, que não lutemos por nossas vidas, mas a revolução já começou desde o dia em que mataram a primeira de nós.
Autoria: Camila Sant’ Anna © Todos os direitos reservados.
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