Tokusatsu: Monstros gigantes, robôs, alienígenas e Tóquio em perigo. Uma narrativa sobre a história dos super-heróis japoneses e sua relação com o ocidente.
A palavra Tokusatsu (特撮) é uma abreviatura da expressão “tokushu kouka satsuei” (特殊撮影) que em japonês pode ser traduzida como “filme de efeitos especiais”. Inicialmente o gênero englobava qualquer produção cinematográfica ou televisiva japonesa que utilizasse efeitos especiais. Com o tempo Tokusatsu se tornou um gênero com suas próprias características e linguagens específicas. No ocidente, o estilo conhecido pelos super-heróis coloridos e monstros gigantes ganhou popularidade nos anos 90 com os Power Rangers. O gênero Tokusatsu porém tem uma longa história de mais de meio século de produções japonesas e possui uma estranha relação com o Brasil. O gênero que tornou-se sinônimo de filmes ou séries live-action de super-heróis produzidos no Japão com bastante ênfase nos efeitos especiais, mesclando várias técnicas como a pirotecnia, computação gráfica, modelismo, entre outras, para simular performances de artes marciais, superpoderes, magia, armas de energia, monstros gigantes e mechas (Robôs gigantes) teve um princípio sinistro em 1954, com o rei dos monstros, Godzilla.
Em 1945, os Estados Unidos, no único momento na história em que armas nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis, atacou o Japão, lançando bombas atômicas nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, causando a morte de mais de 300 mil pessoas e a rendição do Japão na segunda guerra mundial. Os horrores da ameaça nuclear, e do ataque à cidades densamente populosas, ainda marcavam profundamente o consciente coletivo japonês, e foram expressados na forma de um monstro pré-histórico incontrolável, que, congelado no fundo do oceano, é acordado e alterado por explosões nucleares, que ataca o Japão: Gojira (ゴジラ). O tom do primeiro filme do monstro, Godzilla, de 1954, é extremamente sério.O ataque do monstro é tratado como uma catástrofe e Godzilla é em si uma metáfora para o horror nuclear.
O filme, produzido pela produtora japonesa Toho Company (東宝株式会社), também é um claro exemplo da influência da cultura estadunidense no Japão nos anos pós-guerra. Godzilla é altamente inspirado por produções norte-americanas como King Kong (1933), pelos dinossauros de filmes como Mundo Perdido (The Lost World de 1925) e principalmente pela produção O Monstro do Mar (The Beast from 20,000 Fathoms de 1953), na qual um monstro reptiliano, animado pelo mestre do stop-motion Ray Harryhausen, acordado por explosões atômicas, ataca Nova York. Nos EUA, Godzilla teve lançamento nos cinemas, porém cenas com o ator canadense Raymond Burr (de Janela Indiscreta e da série de TV de televisão Perry Mason) foram adicionadas. Os estúdios que distribuíram o filme no ocidente temiam que o filme não fosse bem aceito sem um protagonista norte-americano. A tradição continuaria em outros lançamentos Tokusatsu nos EUA, como na série Gamera, alcançando seu extremo em Power Rangers.
Ao contrário das produções hollywoodianas citadas, que utilizavam-se de stop-motion e animatrônicos para criar seus monstros, Godzilla era um ator em uma complexa fantasia feita de látex, com animatrônicos para mover o rosto do monstro e seu rabo era controlado por um cabo. O diretor usou lentes específicas, filmando de ângulos baixos, utilizando-se de câmera lenta e luzes atmosféricas, tudo para o monstro parecer maior. Além da minuciosa construção de cenários em miniaturas e efeitos em pirotecnias e animações em rotoscopia. A técnica da roupa de borracha para filmar monstros ficou conhecida como suitmation e é uma das grandes marcas do Tokusatsu.
O segundo filme do rei dos monstros, Godzilla Contra Ataca (Ou Godzilla Ataca Novamente), de 1955, muito mais leve em tom, apresenta pela primeira vez Godzilla enfrentando outro monstro gigante Anguirus (アンギラス). Godzilla entraria então em um hiato de 7 anos, enquanto a Toho experimentaria com outros monstros, como: The Mysterians (地球防衛軍 – Chikyū Bōeigun, de 1957), Rodan! O Monstro do Espaço (空の大怪獣 ラドン – Sora no Daikaijū Radon, de 1956), Varan the Unbelievable (大怪獣バラン – Daikaijū Baran, de 1958) e Mothra, a Deusa Selvagem (モスラ, Mosura de 1961). Esse tipo de filme de monstros gigantes ficou conhecido como Daikaijū. O título original de Rodan! pode ser traduzido literalmente como “O monstro gigante genérico que caiu do espaço”. Em 1962, Godzilla voltou às telas para enfrentar Uma de suas inspirações, King Kong, e em 1964, para confrontar Mothra. Godzilla, que no princípio era uma vilanizada metáfora para os horrores da segunda guerra, aos poucos se tornava um herói, um representante da natureza dedicado à proteção do planeta.
O sucesso e popularidade de Godzilla e dos monstros em suitmation da Toho inspirou outras produtoras japonesas a desenvolver suas próprias séries. Em 1965, a produtora japonesa Kadokawa Pictures (角川映画株式会社) lançou o filme Gamera, O Monstro Invencível (大怪獣ガメラ – Daikaijū Gamera). Assim como Godzilla, o primeiro filme da série também apresenta Gamera como vilão, é em preto e branco, tem um tom mais sério, porém já é ligeiramente mais voltado para o público infantil. Gamera é um monstro gigante que se assemelha a uma tartaruga, que lança jatos radioativos pelas aberturas de seu casco. Também como Godzilla, a trama de Gamera segue o modelo ditado por O Monstro do Mar, o mostro pré-histórico congelado, acordado por explosões nucleares. O segundo filme de 1966, segundo a tradição de Godzilla Contra Ataca, apresenta Gamera lutando pela primeira vez contra outro monstro gigante em Gamera Vs Barugon (大怪獣決闘 ガメラ対バルゴン – Daikaijū kettō: Gamera tai Barugon). A série seguiu cada vez mais voltando-se para o público infantil, com monstros cada vez mais absurdos. A série Gamera é responsável por boa parte da estética característica do Tokusatsu, com seus cenários alienígenas e a relação de crianças e adolescentes com monstros gigantes. A semelhança com os monstros de Rita Repulsa nos Power Rangers não é mera coincidência.
Em 1966, Eiji Tsuburaya, um dos técnicos em efeitos especiais responsáveis pela primeira roupa de Godzilla, criou a série Ultraman, finalmente unindo os dois estilos mais populares dentro do Tokusatsu, os monstros gigantes Daikaijū, com o henshin hero, os super-heróis japoneses. Um ano depois, em 1967, a Toei Company lançou a série Robô Gigante (ジャイアントロボ – Jaianto Robo) um dos pioneiros de outro sub-gênero do Tokusatsu, o Mecha (Robôs gigantes).
Este post é o primeiro de uma série sobre a história e a linguagem do Tokusatsu, fica ligado aqui no NA-NU onde vamos ver a história do henshin hero, os super-heróis japoneses.