Advertência: Este artigo contém informações relacionadas à abuso e violência sexual que podem ser perturbadoras à sobreviventes de ataques e vítimas de agressão.
O inferno no deserto é uma crônica de Camila Sant’Anna
O sol do deserto reinava no céu azul. Um pedaço de cacto salvou a nossa sede. Enquanto Necro se hidratava, descansei na sombra de seu corpo, apontei um cigarro para o sol que acendeu em um segundo. Esse lugar parece com o inferno, a qualquer momento tenho a impressão que demônios vão aparecer e nos possuir como escravos de seus desejos mais bizarros. Uma cobra deslizou na areia por debaixo de minhas pernas e se afundou na areia macia, sem deixar rastro. Um vulto parecia vir em nossa direção, desejei ser uma ilusão, mas era um homem em um cavalo branco, com roupa brancas e pomposas, respirando com dificuldade e pingando de suor. Parou na nossa frente e me julgou por um segundo.
— Mulher, onde posso encontrar água?
Perguntou, com a boca seca, quase desmaiando.
— Sei onde encontrar água. Se quiser pode me seguir, mas aviso que não gostamos de companhia.
Subi em meu cavalo, sussurrei em seu ouvido e se iniciou uma corrida alucinada em direção ao nosso pequeno oásis. Olhei para trás e lá estava o forasteiro em seu cavalo branco tentando nos alcançar. Bolas de feno corriam pelas areias finas do deserto. O vento trouxe nuvens escuras. Uma tempestade parecia se aproximar. O crepúsculo do deserto é uma das cenas que não pretendo esquecer dessa vida miserável.
No meio daquele inferno estava o oásis. O forasteiro desceu do cavalo e pulou no lago, gritando como uma criança. Deixou seu cavalo com as rédeas, livrei o coitado daquela tortura para que bebesse. Bebi ao lado dos cavalos, analisando a bagagem do forasteiro. Uma mochila grande cheia de coisas inúteis como uma bússola quebrada e um espelho rachado. Me afastei para pegar lenha, o forasteiro desconfiou.
— Vou fazer uma fogueira.
— Qual vai ser o jantar?
Perguntou o forasteiro, presunçoso. Eu ri da cara dele.
— Se você encontrar comida me avise, neste lado do deserto só existem animais mortais.
A noite chegou e o vento uivava junto dos coiotes. Sentamos em frente ao fogo, os cavalos descansavam, o silêncio era surdo. O desespero da fome assombrou os olhos daquele estranho que começou a se balançar para frente e para trás. Lembrei que havia uma faca em minha bota, coloquei a mão em cima da faca e cautelosamente lhe fiz uma pergunta.
— Quando você pretende partir?
Um silêncio e nenhuma resposta. O forasteiro começou a gargalhar, se levantou e agarrou meu pescoço.
— Primeiro eu vou te estuprar, depois eu vou arrancar sua carne dos ossos e comer enquanto você olha.
O horror assombrou minha alma, os cavalos relincharam ao mesmo tempo que trovões rasgavam o céu. Aquele homem louco apertava meu pescoço e gargalhava sem parar. Peguei a faca em minha bota. Rasguei seu pescoço, o sangue esguichou por todo lado, mas ele não me soltava. Necro se enfureceu e arrancou a cabeça do forasteiro com os próprios dentes. O cavalo branco ajudou a devorar o forasteiro com mordidas brutais. Os ossos se quebraram e estalavam como galhos. Eu caí de costas na areia e permaneci ali. Choveu sangue em meu rosto. Os dentes dos cavalos rasgavam a carne sem parar. O sangue apagou a fogueira. A fumaça subiu aos céus em forma de um crânio, até morrer. As nuvens se abriram e a lua cheia se revelou vermelha.
Autoria: Camila Sant’ Anna © Todos os direitos reservados.
Arte: Camila Sant’anna. Mais sobre a autora acompanhe ela pelo Facebook clicando aqui.