Uma pesquisa de Fulvio Pacheco
Mesmo sendo arriscado tentar fixar uma data objetiva para o início de uma forma de comunicação de massa como as histórias em quadrinhos, orienta-se que a primeira manifestação desse tipo em Curitiba se deu com um anúncio do mágico Moya contendo uma figura cartunizada com letras art déco, num jornal de 19 de dezembro de 1886.
Com a produção da imprensa ligando cada vez mais elementos visuais e textuais, em 1888, uma manifestação mais evidente desta arte deu se através da revista Ilustração Paranaense, que permitiu afirmar que eram inegavelmente as primeiras histórias em quadrinhos de Curitiba, especificamente, na sessão humorística intitulada Gaveta do Diabo. O responsável foi Narciso Figueiras, que publicava histórias em quadrinhos de página inteira. Segundo o pesquisador Key Imaguire, “o desenho era bem precário, talvez devido às técnicas de impressão, mas é indiscutivelmente uma produção local (aparece a Igreja da Ordem numa delas), e uma das primeiras manifestações do gênero entre nós” (Imaguire, 2004).
As duas décadas que enredaram a virada do século foram férteis para a produção de quadrinhos em Curitiba, reflexo do que acontecia no Rio de Janeiro, pois diversas revistas de humor, na linha do cartum, são publicadas no Brasil.
Em 1906, o chargista Mário de Barros começa sua produção e, em 1909, já se tem Trocas e Traços, a primeira antologia paranaense do humor gráfico.
Em 1914 surge O Mico, no mesmo ano, A Bomba, e, em 1916, O Garoto.
O célebre cartunista Alceu Chichorro, usando o pseudônimo de Eloyr, publicou suas primeiras tiras em 1917, com influências do humor de Charles Chaplin, e do quadrinho americano Pafuncio e Marocas / Bringing up Father, de 1916. Chichorro criticava a elite curitibana do começo do século XX, através de seus personagens Minervinho, Tancredo e, principalmente, Chico Fumaça e sua parceira Marcolina, personagens de maior repercussão. Minervinho foi criado em 28 de março de 1923 e literalmente enterrado por Chichorro numa tira histórica, após sofrer um processo por criticar, através deste personagem, a criação inconstitucional de postos de alta hierarquia católica. Tancredo foi outro ”calunga” de Chichorro: criado em abril de 1925, o personagem morreu atropelado, após onze meses da sua criação. Finalmente, em maio de 1926, nasceu Chico Fumaça, baixinho, barrigudo, careca, com cara redonda, bigode preto retangular, a maior criação de Chichorro, e com ele sua tia Marcolina, que o castigava freqüentemente com o rolo de macarrão. Esses personagens, através das tiras, eram publicados nos jornais O Dia e Gazeta do Povo.
Nesta fase diversas revistas de variedades são lançadas como: O Anzol, Máscara, Ferrão, Cinema, Jazz e Fora de Foco, todas de 1924, A Farofa, de 1926, e A Rua, de 1931. Em todas o humor gráfico fazia suas aparições em pequena escala. Em agosto de 1935 é publicado Die Steiche des alten Herrn / As Aprontações do Velho Senhor, de autoria de Fritz Winters, todo escrito em alemão e publicado pela tipografia João Haupt, por um impressor também alemão, Max Roessner. A revista tinha cinco histórias, numa seqüência de um cartum por página, acompanhado de versos, também de autoria de Fritz Winters, e, segundo Key Imaguire, “foi um álbum único, não previa, ao que tudo indica, continuidade ou periodicidade” (2004).
Segundo a matéria de Key Imaguire para o periódico Nicolau, de dezembro de 1992, outra publicação, também em alemão, foi lançada com o título Fred und Fritze, de Onkel Oskar, mas esta não apresentava data. Sabe-se que foi publicada entre 1920 e 1940, data que corresponde ao início do funcionamento da Impressora Paranaense, que anteriormente era uma litografia, fundada em 1910, no bairro Batel. Foi a responsável pela publicação do único álbum Fred und Fritze, até a data em que o y da palavra Curitiba foi substituído pelo i em 1940, pois Max Schrappe, editor alemão, usava a palavra Curityba, logo após seu nome na publicação. Tratava-se de um material inteiramente copiado e, na capa, consta que o original daquela edição era de Hans Nöbauer, mas na verdade parece que foi reproduzido de Wilhelm Busch, um dos pioneiros dos quadrinhos mundiais. O curioso foi o fato de uma publicação em alemão ter uma viabilidade comercial, a ponto de ser publicada numa cidade brasileira. Mas, novamente Key Imaguire esclarece: “…claro que o público leitor alemão era numeroso, pois Curitiba já foi uma cidade em que os visitantes reclamavam de fazer uma pergunta em português e receber a resposta em alemão” (2004).
Em 3 de novembro de 1938 foi a data em que Poty Lazarotto publicou a primeira parte de sua História em Quadrinhos intitulada As Aventuras de Haroldo, o Homem Relâmpago, pelo Diário da Tarde. A história teve apenas 6 partes e ainda em novembro do mesmo ano saiu a última. O personagem Haroldo foi uma homenagem de Poty a seu colega de ginásio Haroldo Bertelli, seu melhor amigo e, como ele, amante das histórias em quadrinhos.
Anteriormente a isso, em outubro do mesmo ano, Poty havia publicado 4 tiras, também no Diário da Tarde, apresentando um personagem sem nome, um repórter. A história se chamava O Tesouro Oculto. Esta primeira divulgação dos quadrinhos de Poty se deu quando os proprietários do Diário da Tarde e o seu redator chefe, procuraram o botequim do pai de Poty, com pretensão de torná-lo ponto de venda do jornal no Capanema e, ao conhecerem os desenhos de Poty, resolveram publicá-los com destaque. Notava-se no seu estilo uma tendência para o quadrinho de ação, As preferências e possíveis influências da formação do seu imaginário se deram a partir das aventuras
de Flash Gordon e do Agente X-9, de Alex Raymond, e do Príncipe Valente, de Hal Foster, ambos introduzidos no Brasil através da revista Suplemento Juvenil. Mas, sua maior influência, segundo Poty, foi: “…minhas preferências maiores são para Dick Tracy, e, especialmente, para Jim Hardy, onde só dava gangster de cara torta, desenho durão, numa predominância de preto”. Nesta linha, com um traço mais próximo do que mais tarde desenvolveu como artista plástico, Will Gould desenhou as aventuras de Red Barry no Bairro Chinês.
A partir daí, segundo a cronologia de Imaguire para o periódico Nicolau de 1988, durante um longo período, a produção curitibana foi nula e com poucas exceções, como a dos cartuns de Djamir Palmeira nos anos 50. Essa época ainda corresponde à invasão americana de quadrinhos, oficialmente iniciada em 1934.
E se quiser mais ainda sobre quadrinhos, confere aqui
Olá, não conhecia esta revista Illustração Paranaense, mas onde Narciso fez seus quadrinhos foi na Galeria Illustrada (de 1888).
https://agaqueretro.blogspot.com/2017/02/primeira-hq-do-parana-e-dum-catalao.html
abraço
Muito boa e importante pesquisa!! Parabéns Fulvio!!